Futuro
Eu não esperava chegar aos 32 anos. De verdade, sempre me foi difícil enxergar um futuro, eu existia, sobrevivia - mas só.
“Se você não sabe pra onde vai, qualquer caminho serve”.
E realmente, por muito tempo, qualquer caminho serviu. Só que passo a passo, de concessão em concessão, acabei num deserto. Olhava pro céu esperando as nuvens que me permitissem naquele solo áspero e hostil semear algo mas a chuva não vinha. E todo dia, os lábios secos, a saliva se esgotando, a garganta apertando. Como gritar sem voz? Como ter doçura num mundo de sal?
Eu tive que me escolher, em pequenos passos recusando o mínimo e forjando um caminho novo. Meu deus, como era assustador decidir por mim, tomar as rédeas de algo que nunca pareceu meu. E a cada escolha tive a chance de olhar pra dentro, me conhecer e reconhecer. Tive de explorar o vazio em mim e percebê-lo vasto e repleto - de nuances, paixões, vontades e anseios.
De tanto caminhar, encontrei o mar. A água amenizava o calor mas não a sede - então me coloquei a navegar, tomando novas decisões, reconhecendo meus limites, minhas potencias…
E encontrei. Uma clareira protegida por um riacho, de terra macia e rica, com torrões de cheiro forte e familiar - um jardim pra nele minha alma plantar, para construir um lar. Todo dia, criando um pouco mais, erguendo um pouco mais as estruturas que sustentem as flores que quero ver desabrochar.
Meu deus.
São lindas. Seus veios me atravessam e nos conectam, me permitem tocar aos outros tal como me tocam, polinizando amores e ampliando esse nosso vasto jardim partilhado. E em tanto cuidar dessa fartura, passei a receber visitas: raposas, passarinhos, abelhas - todos com seus gostos, histórias e sorrisos.
Eu queria poder pintar com as palavras aquilo que eu enxergo no meu coração - pois é de uma beleza que chega a doer, mas dói como a coisa boa que é, uma conquista, um anseio de que mais jardins assim possam existir, de que donde antes só havia dor e secura possa haver tanta fartura, que um coração d’antes mirrado possa ser infinito.
Me sinto gigante e cheia de amor, com um futuro da minha predileção pela frente.
© 2019 Margem da Margem ― Powered by Jekyll and Textlog theme